Meu inferno sou eu
"Maledicentes querem toda ateno para si. No medem esforos em degradar quem quer que possa vir a fazer sombra sobre seu ego"
Regina Teixeira da Costa

Uma das experincias mais difceis para o homem o relacionamento com os outros. Nosso inferno o outro, disse o filsofo francs Sartre. Em seguida, vem a reparao: isso no quer dizer que no devamos nos relacionar e que o isolamento resolveria a questo. A dificuldade reside justamente nos limites necessrios em todas as relaes e em como mant-los a nosso favor. Podemos ento ir adiante e considerar que nosso inferno somos ns, concordam muitos outros pensadores. Sempre creditamos ao outro as nossas dificuldades e o evitamos. Fechamo-nos e nos afastamos, porque tememos embates, exploraes, invaso, mal-entendidos, maledicncia. Se defender colocando a culpa no outro, acusando-o, j um mecanismo manjado: o da projeo. Quando no amos uma coisa em ns, a atribumos ao outro, o odiamos por aquilo e samos ilesos. Demonstra incompetncia istrativa em assuntos de interesse subjetivo, a rigidez, o recalcamento: o esquecer de si para julgar o outro.Os maledicentes de carteirinha so uma boa lembrana. Querem toda ateno para si e para tal no medem esforos em degradar quem quer que possa vir a fazer sombra sobre seu prprio ego. No am competitividade, nem as saudveis. E, por isso, agem solapando o outro, excluindo, afastando. uma defesa poderosa. H tambm os ingnuos: acreditam em tudo o que ouvem. Tm boa vontade demais em acolher pareceres, mesmo os contrrios aos seus. Na boa vontade adotam a causa alheia como sua, o que os torna irveis socialmente. Um engano difcil de esclarecer, pois esconde o narcisismo das belas almas. Quando so contrariados ou no reconhecidos o bastante, ficam ressentidos porque se sacrificaram pelo outro.Conviver difcil mesmo. Para garantir sair dos embaraos das relaes, precisamos reconhecer que h dificuldades e so nossas. Na maneira como nos posicionamos. Nas dificuldades de assumir o desejo prprio e mesmo de abrir mo dele por medo de sua repercusso junto ao outro. Quem no deixa de falar ou fazer algumas coisas porque acredita que, com isso, pode abrir mo de outras sem grandes danos? At certo ponto podemos fazer acordos com o outro de concesses mtuas, mas quando elas so justas ou no? Como saber localizar at que ponto possvel ceder? Seramos egostas se nunca o fizssemos?Sem respostas para todas essas indagaes, seria preciso saber mais um pouco sobre o prprio desejo para alcanar alguma certeza. Abrir mo em favor do outro sem saber disso que no d. Saber mais sobre o desejo como ir pela contramo, opondo-se s foras da socializao impostas pela educao e a moralidade, forando para o inconsciente. Ento perdemos nosso Norte. Nosso guia. preciso usar a sintonia fina com o desejo. Uns so perigosos, outros so de vital importncia. Embaraos e dificuldades comeam ou tm lugar justamente porque ns nos posicionamos muito mal em relao a ns mesmos, nem sempre sabemos qual nossa, nem sempre queremos saber e vamos nos ofertando ao outro. Colocando nele demandas que supomos. Sempre naquele ime esperando a resposta do outro para a pergunta: o que me queres? E nos forando para encaixar neste molde perfeito e responder a exigncia deste outro, que nem existe de fato!Nessa espera, sem resposta possvel que venha do outro, pois ele mesmo no pode dizer o que devemos ser para que ele nos ame, evitamos as escolhas, temendo que elas nos retirem da aprovao do nosso fantasma. Mas com certeza, boiar como folha na gua merc de uma direo que no a nossa s pode trazer a felicidade temporariamente, em casos de paixo. bom, dura pouco e acordamos sempre desse delicioso engano. Ficar atento ao contentamento no perder de vista o interesse em ar pela vida de modo digno. Perdemos a dignidade quando pretendemos simplesmente que o outro fique satisfeito conosco. Seria estar sempre a servio do que o outro acha, pensa ou fala. Que preo, no entanto, devemos pagar? Embora sempre o faamos com a moeda da culpa, angstia e outros tipos de penalidade, seria melhor que o fizssemos sustentando nossas escolhas apesar do outro, apesar dos mal-entendidos, e do que possam vir a pensar. Quem se abandona fica se arrastando pela vida incapaz de se alegrar. como uma massa aplicada entre tijolos para fazer uma parede. Com as pessoas trata-se de uma cola invisvel, superpoderosa, capaz de acoplar nossa vida aos moldes daqueles que nos cercam. difcil decepcion-los, deix-los em falta, como se pudssemos remendar todos os furos e faltas do mundo para proteger o outro. A cobrana do outro talvez seja simplesmente a constatao de nossa oferta. No h senhor sem servo. No h escravos que no elejam seus senhores.
fonte Jornal Esdado de Minas - 24/08/2008
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