fonte : Jornal Estado de Minas - 02/fev/2003
A partir de 03 de fevereiro de 2003, quase 5 milhes de crianas e adolescentes
comeam a retomar as atividades escolares em todo o Estado. A volta s
aulas vai movimentar 268 mil professores em 18,5 mil escolas pblicas
e particulares mineiras, com reflexos sobre o trnsito, transporte pblico
e at a economia das cidades. Mas, dessa vez, a volta s aulas no ser
uma mera rotina do incio do ano. Os contundentes fracassos dos sistemas
pblico e particular de ensino brasileiros, evidenciados, no ano ado,
por exames como o Sistema de Avaliao da Educao Bsica (Saeb), o Exame
Nacional do Ensino Mdio (Enem) e o Projeto Internacional de Avaliao
de Estudantes (Pisa), provocaram uma verdadeira comoo nacional e uma
forte reao em busca da qualidade do ensino. A sociedade no ite mais
que crianas e adolescentes em 11 anos na escola e saiam dela analfabetos
funcionais. Em resposta, as escolas, e, principalmente, os professores,
preparam-se para reforar prticas capazes de reverter as defasagens de
aprendizado e garantir o direito educao. Mas avisam: no basta garra
e boa vontade, preciso e do poder pblico.
Os dados so impiedosos. Segundo resultados do Sistema Mineiro de
Avaliao da Educao Pblica (Simave), divulgados, em dezembro,
pela Secretaria de Estado da Educao, 30% dos alunos das escolas
estaduais e municipais mineiras chegam 4 srie semianalfabetos.
Incapazes de ler um simples bilhete, meninos e meninas praticamente
no tm chances de continuar estudando. Afinal, nem a escola mais
aberta comunidade, com a melhor merenda ou espaos de lazer
consegue reter em seus quadros adolescentes conscientes de que so
apenas arremedo de estudantes. Envergonhados pelos colegas, acabam
evadindo. Longe da escola e perto demais dos riscos da vida nas
ruas, as crianas excludas do sistema de ensino representam a
perpetuao do ciclo da misria.
Especialista em alfabetizao e letramento, a professora Magda
Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), denuncia a
perversidade do sistema de ensino brasileiro. Incluso no
simplesmente colocar todas as crianas na escola. Esse apenas o
primeiro o, e estacionamos nele h pelo menos dez anos. Incluir
mudar a cultura escolar, de modo que o processo de ensino e a
focar o aluno, sem culp-lo pelo fato de ele no aprender. No se
pode justificar os baixos ndices de aprendizagem no Pas porque
agora as crianas pobres esto na escola, e elas no tm as
condies ideais para o estudo. a escola que precisa se adequar ao
aluno, e no o contrrio. Sem fazer isso, a presena na sala de aula
criminosa. Cria-se a expectativa entre as famlias mais pobres de
que seus filhos vo aprender, mas mentira , avalia.
Segundo a pesquisadora, a deficincia na alfabetizao das
crianas tem duas razes: a mudana na concepo do processo de
alfabetizao e a adoo do sistema de ciclos. Magda Soares refora,
entretanto, que as novas propostas esto corretas, mas o poder
pblico falhou na sua implantao. Primeiro, foi em relao
alfabetizao. A partir da dcada de 80, amos a entender como a
prpria criana constri o seu conhecimento, abandonando as
cartilhas, que eram repeties mecnicas. Foi um grande avano,
porque tnhamos um fracasso enorme. Mas amos da prtica sem
reflexo para o contrrio. Os professores aram a ser formados
para refletir sobre como a criana aprende, mas a ao na sala de
aula ficou sem nenhuma metodologia. O fracasso continuou , explica.
Mas para Magda Soares, o retorno ao sistema de sries com
reprovao seria ainda mais desastroso. A histria no se faz com
recuos, mas com avanos e correes de rumo. preciso investir na
formao dos professores e no dilogo com famlias e estudantes. J
avanamos muito, porque o momento de preocupao. As pessoas esto
indignadas, alertas, cobrando explicaes. Mas as medidas precisam
ser urgentes para recuperar minimamente o que no foi ensinado
durante todo esse tempo , finaliza.