Avies de guerra entre as montanhas
Inaugurada em 1946, em Lagoa Santa, na Regio Metropolitana de BH, a primeira grande fbrica de aeronaves militares do Brasil no conseguiu sobreviver a 1951

Na dcada de 1930, Lagoa Santa era apenas um quase despovoado distrito do municpio de Santa Luzia, na Regio Metropolitana de Belo Horizonte.
As pssimas vias de o pareciam alongar os 38 quilmetros de distncia para a capital. No havia mo de obra qualificada nem infraestrutura urbana.
Apesar disso, a comisso nomeada pelo ento presidente Getlio Vargas considerou que o clima seco protegeria da corroso as chapas de metal.
Alm do mais, se ficasse prxima ao litoral, a empresa seria alvo fcil para um eventual ataque.
Em 1946, naquela regio isolada e agreste, foi inaugurada o que seria a primeira grande fbrica de avies militares do Brasil.
As ambies do governo federal, porm, foram logo abatidas e a iniciativa morreu em 1951.
A ideia comeou a ser gestada em 1933, quando o “Arc en Ciel”, um avio trimotor francs, partiu de Paris e, pousando em Natal (RN), realizou a primeira travessia comercial do Atlntico Sul.
Naquele ano, Vargas recebeu a visita do projetista da mquina, Ren Couzinet, e o convidou para estebelecer uma linha nacional de produo de aeronaves.
Em 1935, o entusiasmado europeu integrou a comisso – formada tambm por representantes do Exrcito, da Marinha e da Aviao Civil – que definiu a localizao da fbrica.
Entre as supostas vantagens de Lagoa Santa, estava o fato de existir ali a lagoa que lhe d nome, apropriada ao teste de hidroavies, aeroplanos preparados para decolagens e pousos sobre a superfcie da gua.
Em 1935, o presidente Vargas, autoridades civis e militares lanaram, com todas as pompas, a pedra fundamental das futuras instalaes.
Pouco depois, o Decreto-Lei n 617, de 1938, autorizou a abertura de concorrncia pblica para a construo da fbrica. Apenas uma companhia se apresentou.
Foi a Construes Aeronuticas S/A, que reunia empresrios brasileiros e ses, tinha Couzinet como diretor tcnico e foi declarada vencedora.
No contrato assinado em 1940, o governo assegurava condies excepcionais ao negcio.
Haveria autonomia istrativa e comercial, iseno de impostos e garantia de 15% de lucro sobre as encomendas.

A fbrica iniciaria suas atividades com a produo, sob licena, do avio North American Texan 6. O T-6, como ficou conhecido, uma aeronave que possui dois lugares, pesa 2,4 toneladas e alcana velocidade mxima de 300 km/h.
O aparelho seria usado no treinamento de pilotos. “Os avies usados at ento, como o ‘paulistinha’, eram muito bsicos.
Os alunos avam a nveis mais avanados e no tinham avio para treinar. O T-6 supriria essa demanda”, explica em entrevista ao Estado de Minas o pesquisador Roberto Pereira de Andrade, autor do livro A construo aeronutica no Brasil: 1910-1976.
O governo e os empresrios se depararam, todavia, com um contratempo. Em 1939, eclodiu a Segunda Guerra Mundial. A primeira fase das obras da fbrica foi concluda no incio de 1943, mas estava difcil importar equipamentos e maquinrio dos Estados Unidos, envolvidos no conflito.
E o Brasil no conseguiria se bancar sozinho.
“O pas no tinha capacidade tcnica, no tinha uma engenharia mecnica e eltrica para tocar esse tipo de tecnologia”, aponta o economista Cllio Campolina, autor de Estado e capital estrangeiro na industrializao mineira.

TENTATIVA DE RECUPERAO

O governo acreditava que outros fatores concorriam para a ineficincia da fbrica e, em 1945, ou a empresa aos cuidados do Grupo Pignatari, que mantinha a mais importante fbrica de avies do pas, a Companhia Aeronutica Paulista. A misso, no entanto, no seria fcil. Em Lagoa Santa, no havia gua encanada, energia eltrica, rede de esgotos, hospitais, segundo texto publicado pelo Centro Histrico da Empresa Brasileira de Aeronutica (Embraer). Os novos responsveis pelo negcio ainda tiveram que capacitar a mo-de-obra local para as funes istrativas e s depois instalar o maquinrio. 4h6e4g

O contrato com a North American previa 81 unidades feitas no Brasil. Os primeiros 61 viriam desmontados e suas partes seriam reunidas em Lagoa Santa. Os 20 restantes teriam algumas peas de fabricao nacional, como freios e antenas. Em maro de 1946, a primeira leva foi entregue ao 1 Regimento de Aviao. Mas os ltimos lotes esperaram “muito tempo pelos motores”, que haviam se perdido e foram encontrados “numa distante base area”, escreveu Andrade. Como a empresa no conseguiu cumprir a contento o contrato, a Ministrio da Aeronutica a assumiu em 1949, produzindo o ltimo T-6 em 1951.

Aps ser fechada, a fbrica deu origem ao atual Parque de Material Aeronutico de Lagoa Santa (PAMA-LS), que d e Fora Area Brasileira na manuteno e recuperao de equipamentos. Andrade classifica como “engano” a fracassada iniciativa.
“Naquele tempo, Lagoa Santa no tinha nada, era mato.
A fbrica j comeou errado pela escolha do local.
Por que no montaram em Belo Horizonte?” Para Campolina, porm, a indstria teria dado errado onde quer que fosse. “O Brasil no tinha nem produo qualificada de alumnio e ao”, justifica.

Apesar do fracasso, Jos Francisco, aos 79 anos, lembra com saudade daquele tempo. Ainda garoto, levava a marmita do pai, que ajudou a erguer as paredes da fbrica. “O pessoal se entusiasmava vendo os avies sendo testados, eram muito bonitos.” Mais tarde, os T-6 fariam a alegria de muita gente pelo pas. Eles foram os primeiros modelos usados pela popular Esquadrilha da Fumaa.

LINHA DO TEMPO

Em 1935, o presidente Vargas, autoridades civis e militares lanaram a pedra fundamental das futuras instalaes da fbrica de avies de Lagoa Santa.

Em 1940, a empresa Construes Aeronuticas S/A foi contratada para “construo, instalao e explorao” da fbrica, como est escrito no Decreto-Lei n 2.176, de 6 de maio de 1940.

Em 1944, a fbrica ficou pronta, mas s comeou a produzir aeronaves em 1946.

Em 1949, descontente com o andamento do negcio, o Ministrio da Aeronutica assumiu a indstria.

Em 1951, foi fabricado o ltimo dos 81 avies North American Texan 6, conhecido como T-6. A indstria foi desativada e ou a realizar apenas manuteno de equipamentos aeronuticos.

Em 1952, alguns T-6 feitos em Lagoa Santa foram os primeiros modelos pilotados pela Esquadrilha da Fumaa.
fonte: Jornal Estado de Minas - edio de sabado 30 de setembro de 2012


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